quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Post perdido..

Apeteceu-me no outro dia ler outra vez isto, mas parece que o post se perdeu.

É aqui recuperado....

Ser açoriano é, no fundo, olhar o além e as miragens, vencer barreiras de tempo e de tempos, dourar as fraquezas e fazê-las forças, rilhar os dentes para não chorar a amargura de ver, de longe, a terra apenas com os olhos da saudade... e continuar, continuar sempre. 


Com a devoção ao Senhor Santo Cristo dos Milagres e ao Divino Espírito Santo, no baú de cada coração. Com a mancha azul - azul até de mais - do oceano imenso que é pão e desgraça, vezes sem conta, no calcorrear dos dias da Santa Saudade que há em cada um. Com o vendaval das agruras da integração em países novos mitigado, aqui e além, pelo facto de se ser gente... quando se fala em comunidade, em irmandade, em “capelinhas” de devoções mil.

Ser açoriano é nascer lá. Ouvindo o trovão das intempéries ou sentindo o estremecer das forças do terramoto medidas em escalas internacionais que nem sempre contam com o sofrimento dos que morrem ou ficam sem nada.


É nascer, ali, sim... mas alongar o olhar, mar fora, e sonhar o sonho lindo de transpor o além e as lonjuras, em demanda do ponto longínquo que se vê mais com o coração do que com os olhos. É vislumbrar, também, cá longe - na estranja rumorejante e aguerridamente progressiva - açorianos muitos que ficaram a dar força a outros e a ganhar pão que é suor, sangue e lágrimas.

Ser açoriano é ver partir, um a um, os filhos. Dar-lhe uma bênção apressada, porque a angústia não deixa falar muito... e esconder a cabeça, talvez no avental da tarefa doméstica. Avental que, aos poucos, depois, há-de ir uma e muitas vezes à fronte, a envelhecer em cada dia que passa, enxugar a lágrima teimosa que não pára de engrossar. 

É vê-los partir, quais pintainhos que deixam as asas protectoras... para começarem a voar por si. É acompanhar o seu afã em terras longínquas a enriquecer o que é dos outros.

Ser açoriano é viver em comunidade, grande ou pequena, ser maioritário, em termos de número, e conseguir, mesmo assim, deixar vir ao de cima uma humildade que às vezes até confrange. Aqui, além, mais acolá... é o açoriano que mais se destaca e mais se vê. Mesmo assim, não hostiliza os outros, não amarfanha o número inferior, tão-pouco adrega de medrar em orgulho de ser.

Ser açoriano é... olhar vultos que se foram. Que se engrandeceram, engrandecendo os outros. É olhar o Vitorino Nemésio. O João de Melo. A Natália Correia. Ver do mau tempo do canal, a gente feliz com lágrimas... que se esparramou um pouco por toda a parte. É sentir que o húmus da terra que os deixou partir ainda alimenta as raízes que não se partiram. E que chamam, uma e muitas vezes, pelos ramos frondosos que já se vão cruzando um pouco por toda a parte. 

Ser açoriano é isso, sim. Mas é também sofrer as agruras de estar longe. É medir pelas águas talvez do lago em frente... as outras do mar longínquo que ainda chamam... mas que é difícil calcorrear. É isso, sim, mas é também sofrer os desamores dos que, às vezes, com sapatos de verniz bonito de se ver mas sem solas de andar... entendem a humildade como deficiência e o olhar tímido como inferioridade.

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