Eu nunca gostei
do Natal. Nem quando era pequena. No Natal da minha infância, na ilha das Flores,
entrecruzam-se recordações tristes e escuras: não havia luz eléctrica, chovia
muito e fazia muito vento, não havia lojas nem dinheiro para comprar presentes.
Vivia muito próxima das dificuldades da família e dos acontecimentos menos bons
da vida das pessoas que, na comunidade, eram a nossa família.
O Natal sem luz
dava uma imagem de um Jesus triste que talvez tivesse vindo para salvar os
homens mas, para mim, o Menino teria vindo muito mais para sofrer e dar a vida
pelos outros. E sempre achei a Páscoa uma festa mais significativa.
A música de
Natal dá-me sempre uma vontade irreprimível de chorar. Soa-me a saudade, a
pessoas queridas que já partiram, a emigração, à partida das minhas amigas, às
separações, aos homens da Fazenda que morreram na baleia, a dor. Mais tarde foi
a guerra colonial, a partida do meu irmão para a Guiné e aqueles Natais
dolorosíssimos para os meus pais que não sabiam se ele estaria vivo ou morto no
meio das rusgas que conhecíamos das descrições de outros, que haviam regressado
com vida como um milagre.
Na altura não
havia Pai Natal. O Menino Jesus deitado nas palhinhas, embrulhado numa
“fraldinha” era muito mais parecido connosco. Não dava presentes porque também
era pobre e dava disso mostras pela roupinha pobre e pelo local modestíssimo
onde nascera.
Esse é o Jesus
que eu amei incondicionalmente até hoje, pela autenticidade e pela missão.
Quanto ao Natal, estamos conversados. Mesmo que algumas vezes eu tenha tido
alguns presentes, eles tiveram sempre sabores amargos ou, porque eu sabia que
eles representavam um sacrifício imenso para os meus pais ou porque eu ficava
sempre revoltada por saber que outros meninos, nem figos passados no sapatinho
podiam ter.
Eu não estou a
queixar-me da infância mas estou a desabafar uma coisa que sinto na alma e da
qual talvez nunca tenha falado com esta lealdade.
Hoje em dia, já
não tenho os meus pais nem vivo na minha ilha que é uma das mais lindas do
mundo. Mas o Natal continua a ser escuro e triste. Há poucas lojas, as famílias
não fazem desse tempo uma grande festa porque vivem uma proximidade excessiva,
as autarquias não têm possibilidades para fazer um Natal especial para ninguém
e finalmente porque este não é um tempo de grande alegria na ilha senão pela
chegada dos estudantes em curtas férias, marcadas pela angústia das aterragens
e descolagens da Sata que nem sempre proporcionam a quem parte e a quem chega
as melhores e mais pontuais viagens. Também aí, guardo recordações terríveis
das férias no Ponta Delgada a vomitar doze horas para abraçar a minha mãe!
Salvo seja. Memória triste!
Nas Flores, as
festas são no verão quando a malta anda lá toda, quando chegam mais pessoas e
se pode andar na rua e fazer festa apenas com o mar e o sol. Natal nunca foi
festa para mim.
Não vou
massacrar mais com as minhas memórias até porque esta é a minha mensagem de
Natal para os meus amigos de todas as latitudes: os da internet, os do
facebook, os da mailinglist. Todos merecem, porque todos fazem parte deste novo
mundo em que agora vivo, um mundo com luz, com um Pai Natal vestido de
vermelho, com supermercados a abarrotar de coisas que não podemos comprar mas
mesmo assim, com muitas possibilidades de “lavagem dos olhos”.
Também foi este
Pai Natal que nos colocou numa situação económica difícil. Voltam as memórias
das dificuldades da infância. Só que desta vez, em lugar do Jesus embrulhado na
fraldinha há um Pai Natal colorido, no meio de um abismo de brinquedos
embrulhados em papéis coloridos, desafiando os equilíbrios do cosmos e poluindo
o planeta com brinquedos em formato de guerra, jogos violentos e outros trastes
que fazem as delícias de crianças insatisfeitas que querem tudo e não querem
nada, que estão sempre a exigir compensações pelos seus sucessos e que, muitas
vezes, são cruéis uns com os outros. Hoje, temos o Pai Natal e a luz mas temos
também o bullying, as crianças vitimas da sordidez dos pedófilos, as crianças
vitimas de maus-tratos pela família e as crianças abandonadas. Lógico que a
maior parte destes, não conhece o Pai Natal. Talvez conheçam o Menino Jesus da
minha infância mas não teráo também as melhores memórias dele.
Enfim… contra
ventos e marés vai ser Natal. Vai nascer mais uma vez o menino embrulhado na
fraldinha, na modéstia do presépio de Belém para dar a vida ao mundo. Vai
nascer o Salvador que nós associamos aos presentes, à luz e ao Pai Natal que
importamos de algum lugar. Mas aquele que nasce é sempre o mesmo. É o Jesus de
cada um: o meu, da infância triste na ilha escura, o teu que eu não conheço nem
sei como é, o dos teus netos que pode vir de trenó! É Jesus na mesma. É o Jesus
que salva e redime, o Menino Jesus da Galileia, de Nazaré, de todo o lugar que
apelou ao Amor Incondicional que a nossa sociedade contemporânea teima em
esquecer.
Se tivéssemos
sempre feito a associação correcta, sem os recursos cénicos dos presentes ou o
recurso visual das luzes, Ele podia nascer sempre de forma pacífica em todo o
lado. Porque Ele faz sentido sempre, em cada lugar e em cada vez que é
Dezembro.
Obrigada por
estares na minha vida e por fazeres parte dela, qualquer que seja a tua posição
nessa magia comunicacional. Onde estiveres e receberes esta mensagem, é porque
ela te pertence e vai daqui.
Da tua amiga
Gabriela Silva
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